Novo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), organismo da ONU, referendou em números a realidade cotidiana dos cidadãos do continente, inclusive dos brasileiros, ao apontar que a região continua sendo a mais desigual do mundo.
Em termos práticos, isso significa a proliferação de bolsões de miséria, a existência de áreas nas quais o Estado é substituído pelo crime organizado e a precarização da saúde, moradia, saneamento e educação. A imensa demanda de atendimento às populações excluídas e de baixa renda, somada à gestão ineficiente da receita tributária, “socializa” serviços públicos sofríveis.
O estudo, intitulado “A Ineficiência da Desigualdade”, indica que, na média dos 33 países latino-americanos e caribenhos, o Índice de Gini é de 0,5. Esse índice mede a diferença de renda entre as parcelas mais ricas e mais pobres das populações — quanto mais próximo de zero, mais igualitária é a repartição de riquezas. Um dos aspectos mais importantes do trabalho é a análise de como as disparidades socioeconômicas afetam o acesso a serviços e perpetuam a exclusão.
Nesse contexto, chama atenção um dado muito preocupante da pesquisa: o Brasil tem a pior taxa de conclusão do Ensino Fundamental entre os 20% mais pobres da população. Ou seja, o país está, literalmente, “condenando” as novas gerações dessa faixa de renda à estagnação econômica e à exclusão, considerando que a educação pública de qualidade é sua melhor chance de vencer a desigualdade e conquistar oportunidades de desenvolvimento.
O próprio relatório da Cepal reforça tecnicamente a importância do ensino, ao lado do sistema de saúde, para mitigar a pobreza e a desigualdade. O documento indica que o fornecimento de serviços públicos de qualidade nessas duas áreas poderia diminuir o Índice de Gini. O mesmo se aplicaria a um sistema tributário mais eficaz, que otimizasse a devolução à sociedade, com serviços de qualidade, daquilo que ela paga em impostos.
Exemplo das causas dessa colocação do Brasil no ranking de evasão escolar foi constatado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, cujos agentes inspecionaram 163 escolas em abril. Em 19% delas, não houve controle na distribuição de materiais; em 24%, os materiais escolares não eram suficientes para todo o ano letivo. Houve ainda atrasos na entrega, inclusive dos uniformes.
“Trata-se de um grave descaso com uma prioridade nacional. Mais grave ainda se considerarmos haver solução comprovadamente eficaz para esse problema específico, que é o Cartão Material Escolar, entregue diretamente aos alunos para que comprem nas suas cidades os cadernos, lápis, canetas, réguas, compassos e outros produtos necessários à sua escolaridade. O sistema dispensa as viciadas licitações, acaba com o atraso e erros na distribuição e valoriza o senso de responsabilidade e a identidade dos estudantes, que têm poder de escolha.”
Obviamente, casos como esse, flagrados pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, passam longe do foco dos estudos da Cepal e de outros organismos multilaterais. Porém, a somatória de todos os problemas recorrentes no sistema público de ensino brasileiro explica com clareza a lamentável posição do País nos rankings internacionais de educação e desigualdade.
Rubens F. Passos, economista pela FAAP e MBA pela Duke University (EUA), é Senior VP Latam da Acco Brands e diretor do Sindicato das Indústrias Gráficas no Estado de São Paulo (Sindigraf-SP).